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Igreja de São Marcos, Mosteiro dos Jerónimos ou Panteão dos Silvas (incluindo Capela dos Reis Magos, retábulo, sacristia, claustro, casa do capítulo, e adegas do Convento de São Marcos)

Correia GóisEm Quinta-feira da Ascensão (40 dias depois da Páscoa), dia em que os católicos celebram a festa da Ascensão do Senhor, os povos da região do Baixo-Mondego, com ênfase maior nos da margem direita, visitam a igreja de S. Marcos sediada no Palácio de S. Marcos, outrora convento dos monges de S. Jerónimo.Em passado remoto, o dia da Ascensão do Senhor além de ser dia santificado era considerado feriado nacional. Manhã cedo, os povos rumavam aos olivais e prados de cereais a colher ramagens, flores campestres e espigas de trigo, centeio e cevada, com que arranjam o ramo a ser benzido na igreja conventual, e que depois era guardado em casa na convicção de protecção e fertilização das pessoas, animais e sementeiras.Neste dia os agricultores não colhiam pastos para os animais e os pescadores não lançavam as redes, uma vez que a pescaria colhida era imprópria para consumo.Após a bênção do ramo e a missa na ermida de S. Marcos, a par do pagamento de votos e oblações, as famílias e os amigos fruíam das famosas sombras do arvoredo fronteiro e das merendas. Ao anoitecer regressavam aos lares, com a promessa de voltar no próximo ano.Tradição adaptadaA função de outrora, secular, resistiu às aculturações temporais e adaptou-se aos tempos hodiernos. Ou seja, os devotos e visitantes já não o fazem em grupos ou ranchos, o automóvel é transporte privilegiado, os feirantes empresariais (alguns marroquinos) absorvem os tradicionais e as músicas advindas das concertinas foram substituídas por amplificações sonoras que mais não fazem do que gritar, quase a vetar o convívio entre os visitantes.A missa deixou de ser matinal para ser ao fim da tarde e, apesar dos parasitas da comunicação, os moradores das freguesias de S. Martinho de Árvore, S. Silvestre, S. João do Campo, Tentúgal e Ançã não dispensam a visita a S. Marcos na Quinta-Feira da Ascensão.Foi neste contexto que visitámos S. Marcos na condição de colher imagens e vivências passíveis de formar e informar os leitores, com o intuito de inspirar contacto e visita a um sítio histórico-cultural ímpar em Portugal.Pequena ermidaEm meados do século XV, João Gomes da Silva, alferes-mor do rei D. João I, rico-homem, copeiro-mor, um dos principais defensores da cidade de Coimbra nas guerras com Castela, participante activo na batalha de Aljubarrota, filho de Gonçalo Gomes e D. Maria Pires, com ascendência na família dos Silvas, ao tempo marqueses de Vagos e senhores das terras de Montemor-o-Velho, Tentúgal, Covilhã, Buarcos, Cantanhede, Medina e Nespereira, recebeu por mercê régia muitas terras e privilégios, que a par da herança de seu pai o tornaram num dos fidalgos mais nobres e ricos de Portugal, com residência em Montemor-o-Velho.Em 1441, João Gomes retira-se para a Quinta de S. Marcos e próximo de umas humildes casas de habitação edifica uma pequena ermida em honra do evangelista S. Marcos, onde deveria ser sepultado após a morte.Ainda no mesmo ano decide doar a quinta aos padres de S. Jerónimo, ao tempo florescentes na Penha Longa e Mata, na condição de estes enviarem para S. Marcos um clérigo para rezar missa quotidiana e oficializada em dias das festas do Senhor e da Virgem Nossa Senhora. Esta doação é lavrada pelo tabelião Estêvão Anes e testemunhada por Pedro Gonçalves, António João (cozinheiro da casa) e Martins Afonso, assistente em S. Silvestre.Em 1444, a 25 de Março, finou-se João Gomes da Silva. É sepultado na dita ermida e sucede-lhe na herança o filho varão Aires Gomes da Silva. Este reafirma as disposições do pai, manteve o clérigo em casa até às desavenças entre o rei D. Afonso V e o infante D. Pedro (tio e sogro de D. Afonso). Aires Gomes da Silva tomou o partido de D. Pedro e acompanha-o na batalha de Alfarrobeira, onde morre e de que resulta o confisco de todos os bens e privilégios.Fundação do conventoEm 1448, a viúva, D. Brites de Menezes, oriunda da nobre família dos marqueses de Cantanhede e 3.ª mulher de Aires Gomes da Silva, aia da infanta D. Isabel, reavê por Alvará régio lavrado em Sintra os bens confiscados, na condição de doar a quinta de S. Marcos para ali se fundar um convento de monges hieromitas.Para o efeito vai ao convento de Arruda dos Vinhos junto de seu confessor Fr. João Velho (monge do mosteiro da Mata) e Fr. Álvaro (prior do mesmo) a dar conta da sua decisão e solicitar-lhes que os seus procuradores compareçam em Lisboa a receber a doação.O acto de doação ocorreu em Lisboa nos Paços de El-Rei, a 28 de Julho de 1451, através de uma carta lavrada pelo tabelião Álvaro Vaz, outorgada por D. Brites e Fr. João Velho, testemunhada por Gonçalo Vaz (escudeiro da duquesa de Borgonha), Fr. Alvaro Anes e o provincial da Trindade.Nos primórdios do ano de 1452, dois monges de S. Jerónimo, João Velho e Espírito Santo, tomam posse de S. Marcos e em Abril do dito ano iniciam as obras sob a orientação do arquitecto Gil de Sousa (autor do mosteiro da Penha Longa) e regência de Fr. João Velho. Gil de Sousa orientou as obras durante 12 anos, até ao momento da sua morte e sequente enterramento na igreja. As obras irão continuar sob a direcção de Nuno Gonçalves, um pedreiro do vizinho lugar de Zouparria.Desde 1452, S. Marcos funcionou como um autêntico estaleiro de obras e de arte. Aqui lavraram os maiores arquitectos, escultores e imaginários do tempo, com incidência maior nos altares e mausoléus da igreja, dormitórios e claustros, botica, celeiros e oficinas.Incêndio e recuperaçãoA igreja tem a grande reforma em 1510 como se infere da era grafada na porta principal, a capela maior entre os anos de 1522-1523, a capela dos Reis Magos em finais do século XVI e a frontaria no século XVIII.Aquando da extinção das ordens religiosas, em 1834, o convento foi vendido a particulares, acabando destruído por um incêndio em 1860, com excepção da igreja e casa da botica. O resto são ruínas recuperadas em meados do século XX, após aquisição pela Fundação da Casa de Bragança, sob a direcção do arquitecto Castro Ferreira, um projecto inspirado nas casas seiscentistas.Em 1976 a Universidade de Coimbra protocoliza com a Casa de Bragança a ocupação dos imóveis, com a finalidade de ali instalar residência para convidados, gabinetes de trabalho e salões de recepções.Igreja de S. MarcosA igreja, monumento nacional, constitui um dos monumentos mais notáveis da arte tumular. Ali jazem, em mausoléus lavrados por excelentes imaginários da Renascença, os membros de uma das maiores famílias nobres do Reino - os Silvas.A igreja orienta-se no sentido nascente-poente (entrada), precedida por largo adro recheado de frondoso arvoredo, ladeada a norte pela casa da botica e a sul pelos celeiros e palácio (outrora a zona conventual).A porta de entrada é de arco quebrado, adornado por cairéis, molduras de folhagens, finas colunas, bases compostas e capitéis de folhagens, tudo na forma do manuelino flamejante-naturalista. Esta porta é precedida de uma frontaria edificada no século XVIII, uma obra equilibrada nas composições laterais, na torre sineira (os sinos estão na torre da Igreja de S. Bartolomeu, no centro de Coimbra), nas janelas do coro, nos nichos laterais (as esculturas foram vendidas para o Brasil) e na zona baixa, com os três arcos do peristilo a rasgar a frontaria. No ângulo da empena no remate superior grafa-se o escudo da ordem de S. Jerónimo.O corpo mostra restos das paredes do século XVI (1510), a abóbada do século XVII e o arco cruzeiro de 1696, ao tempo em que era prior do convento Fr. José de S. Tomás. A primitiva ermida de S. Marcos situava-se no sítio do arco cruzeiro.Os flancos do corpo da igreja asilam do lado do Evangelho o púlpito (século XVI) e a capela dos Reis Magos, obra edificada por D. Beatriz de Vilhena (1566-1578) destinada a panteão da família Silva e Castro. No lado da Epístola encontram-se os túmulos de Fernão Teles de Meneses (obra atribuída a Diogo de Castilho) e a arca tumular de Aires Gomes da Silva.A capela-maior, ex-libris da igreja, foi dificada entre os anos de 1522-1523 sob desenho de Diogo de Castilho. O retábulo é obra de Nicolau Chanterene e compõe-se de uma zona alta bem desenvolvida e zona baixa a asilar o sacrário e a bancada do século XVIII.Espaço ímparA zona cimeira é recortada por um arco central a dar guarida a uma escultura de Cristo descido da Cruz em alto relevo, uma composição movimentada e cheia de figuras. Nos dois nichos laterais estão as figuras ajoelhadas dos dadores: do lado do Evangelho, D. Aires da Silva, apresentado por S. Jerónimo; do lado da Epístola, D.Guiomar de Castro, apresentada por S. Marcos. A orgânica construtiva advem de pilastras adornadas antepostas de colunelos.O corpo inferior contém o Sacrário e quatro nichos em alto relevo reproduzindo cenas da vida de S. Jerónimo: S. Jerónimo e o leão, O santo e os mercadores, S. Jerónimo penitente e Morte de S. Jerónimo. As pilastras divisórias mostram esculturas de S. Gregório, S. Sebastião, S. João Baptista e um Santo Bispo. A dominar esta escultura retabular encontra-se no topo superior a escultura do Padre-Eterno.As paredes laterais são ocupadas, do lado esquerdo, pelos túmulos de D. Brites de Meneses, D. Guiomar de Castro, D. Aires da Silva e D. João da Silva. Do lado direito, o túmulo de João da Silva (regedor e filho de Aires da Silva) e Luís da Silva Teles. Do lado da epístola, abre-se uma porta para a sacristia, mandada edificar por João da Silva, como se infere de legenda em remate.As armas dos Silvas, Castros e Meneses - inscritas nas paredes, tectos, altares e túmulos - por norma têm a presença de um leão, a divisa dos Silvas, os padroeiros.Eis algumas nótulas sobre um espaço histórico-cultural ímpar em Portugal (passível de tratamento mais desenvolvido em momento oportuno), na tentativa e convicção de motivar leitores a visitarem o Palácio de S. Marcos. Vale (bem) a pena. www.mensageirosantoantonio.com/messaggero/pagina_articolo...

Data: 25 de março de 2013, 14:57

Autor: Vitor Oliveira

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