Cruzeiro da Estrela
O cruzeiro manuelino que se implanta diante da porta principal do convento de Nossa Senhora da Estrela deve estar relacionado com a conclusão das obras da casa religiosa. Elas haviam-se iniciado pouco depois de 1448 (ano em que o Papa Nicolau V respondeu favoravelmente a uma petição por parte dos moradores de Marvão, e do infante D. Henrique, para que se edificasse um convento, no sítio onde aparecera uma lendária imagem de Nossa Senhora) e presumimos que tenham decorrido por todo o século XV, entrando mesmo na centúria seguinte. Com efeito, sabemos que, entre 1494 e 1520, os trabalhos de construção prosseguiam na igreja (MANTAS e GAMA, 2000, DGEMN on-line) e, apesar de apenas uma capela interior revelar o vocabulário artístico manuelino, é de supor que outras parcelas tenham sido construídas já sob o signo deste estilo-variante do Tardo-Gótico internacional.
O requinte decorativo do cruzeiro contrasta fortemente com o portal principal do Convento que, inserido num gablete e destituído de qualquer ornamentação (sendo mesmo os seus capitéis lisos), se apresenta como um notável e deliberado arcaísmo, porventura determinado pela austeridade e rigidez da primitiva comunidade franciscana. Mas o que estas diferenças artísticas vêm sugerir é o afastamento cronológico entre as duas construções (o portal ainda do século XV e o cruzeiro já das primeiras décadas de Quinhentos). Não temos provas evidentes desta diferenciação de tempos construtivos, mas assim é de supor.
O cruzeiro apoia-se sobre uma base granítica de três degraus, os dois inferiores de secção quadrangular e o superior de perfil circular, acompanhando a base do monumento. Esta, é de forma espiralada, com dupla moldura delimitadora, entre a qual se desenvolve uma decoração em corda entrelaçada. O fuste é relativamente curto e torso, apresentando um entrançado vertical de três feixes que se unem no limite superior para formar uma curiosa solução de laçaria. Segue-se-lhe o capitel, que repete genericamente a decoração da base, formando uma composição tripartida e simétrica, com o elegante fuste ao centro.
A cruz é ligeiramente desproporcional em relação à estrutura, e tem as terminações dos braços rematadas por pinhas em forma de flores-de-lis, que aumentam ainda mais o impacto visual da parcela final do monumento. Na face voltada ao adro, exibe-se a figura de Cristo crucificado, enquanto que, na orientada para o portal do convento, surge Nossa Senhora amparando o seu filho, já morto. A relação entre estas duas composições é uma das mais importantes do final da Idade Média e inícios da época Moderna, pois coloca-se num plano de continuidade as duas Paixões, a do Filho, que termina com a crucificação, e a da Mãe, que se inicia precisamente com a morte de Jesus. Esta iconografia encontra-se espalhada um pouco por todo o Portugal quatrocentista e quinhentista, e revela bem a importância que o culto a Maria teve no reino, instituindo-se como o mais importante vector de devoção, imediatamente após a figura de Cristo.
Sem alterações assinaláveis durante os séculos da Modernidade, só nas últimas décadas a estrutura foi objecto de restauro. Em 1938, na mesma altura em que se restaurava o convento, houve a necessidade de regularizar a plataforma quadrangular em que assenta, verificando-se, então, a substituição de algumas pedras que apresentavam grande desgaste. Em 1967, deu-se nova consolidação estrutural, não obrigando, desta vez, ao apeamento do cruzeiro, como ocorrera trinta anos antes.
Artisticamente, esta obra é um dos raros exemplares da arte manuelina na actual vila de Marvão, a par da capela lateral Norte do próprio convento, o que espelha a importância desta instituição, a única da vila, para além da Câmara Municipal, a receber uma campanha construtiva e decorativa no reinado de D. Manuel. www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-im...PAF
Data: 3 de agosto de 2019, 23:21
Autor: Vitor Oliveira
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